sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

múltiplas poéticas


 leminski me ensinou

               a ser conciso

metáfora direta

encravada no dente sísifo

 

                                       EuGênio Mallarmè

                      https://suorecio.blogspot.com/



           primeiro amor

 

montado no sol a pino

no pasto do céu em chamas

eu cavaleiro menino

enlouqueci na sua carma

 

Artur Gomes

Suor & Cio – MVPB Edições 1985

        https://suorecio.blogspot.com/


 PONTE PARA TI


Haverá um dia em que virás com a saudade presa no olhar e os olhos pousadas no chão, e pelo chão arrastando os pés pesados pelo cansaço dessa interminável viagem de solidão, como quem busca um caminho entre as margens da nossa paixão, sem que no teu rosto se vislumbre um sorriso atirado à multidão!

E nessa estrada de desespero em que trazes coração apertado no peito, rasgado e a morrer neste mundo imperfeito, torturado, amargurado e sem jeito, tu maldizes o destino sem tino que te afasta da felicidade e do amor, como se os astros estivessem alinhados com a rudeza da tua dor e roubassem a passagem que te leva para onde eu for!

E depois tu chegas, pela outra margem e eu vislumbro em ti o intenso sorriso do regresso ao meu coração, antes magoado e esquecido do doce sabor da paixão, e o passado é o quase intransponível rio de recordações que nos separa, e eu venço barreiras, violo fronteiras e queimo o passado nas fogueiras, até que o amor seja a ponte que me leva definitivamente para ti !!

Diogo Alves


"Quem escreve quer dizer coisas que estão para além da vida quotidiana. Nunca o nosso mundo teve ao seu dispor tanta comunicação. E nunca foi tão dramática a nossa solidão. Nunca houve tanta estrada. E nunca nos visitamos tão pouco."

(Mia Couto, in "E se Obama fosse africano?".


Felina

Grito

O encontro de vários silêncios

Os nós na garganta

Escrevo fora

O que ruge dentro

Componho com as mãos

O que habita em meu peito

Nacos de palavras

Feito carne viva

Na ponta dos dedos

Escrevo

Fazendo ruído

Aos desejos.

 

Daniela Fantin


Poema instigante da querida poeta Luiza Silva Oliveira

Ossada
Somos um monte de ossos
um coração ambulante
uma pele que sangra
um pulmão hemorróidico
uma face rasgada

e um olhar gigante que nos salva

somos mercadorias estocadas nas prateleiras
perecíveis
e extintas ao
passar do tempo

egos que caminham ao redor da morte
como um touro bravo que quer matar o toureiro

é o vencedor
é o vendedor de ilusões
é o santo endemoniado
fabricante da figurino ideal
pra ser aprovado
ovacionado
no céu desventurado

fabricante de ilusões
do injuriado
do trancafiado
do espancado
do travestido

olhamos mas não enxergamos nada
nuvens pretas conspiram para a cegueira

prefiro os corvos aos bem-te-vis
são crus, reais, longe dos
hemisférios das bondades
negligenciados na honradez supérflua

prefiro ter e não ser
ter o olhar gigante
e não ser nada

cadê você pessoa?
pessoinha pertiscenta
somos uma tragada de
miseráveis beirando a nulidades
e temos todo o amor do mundo oh!

come chocolates pequena
come chocolates contaminados
e terá toda a diarreia do mundo

(Luiza Silva Oliveira)


não quero mais nada
a não ser
sua carne
em meu prato vazio
de espinhas
com farinha
o sexo me secou de fome
quase tântrica
desde que não sou sânscrita
quero mais
não quero mais nada
a não ser suas unhas
cravadas em minha carne
de santa
que não sei onde deixei
guarapari ou rio das ostras
minhas coxas fremem
só de ouvir teu nome

Rúbia Querubim
https://porradalirica.blogspot.com/


como estiletes para riscar brumas (Poesia, 2022)

Claudinei Urso Vieira

não é exatamente um retumbe
é o som que atravessa a parede
é a o palpitar das sacadas e das ruas
é o estremecer da cidade e do concreto
vermelho que escorre do meio das pernas
da menina sentada na calçada
enquanto chora uma certa desesperança

Sit there, count your fingers.
What else, what else is there to do?

não é exatamente um retumbe
é a sensação que apresenta os anjos decaídos
bêbados desconsolados batendo palmas
a girar a cidade enquanto vomitam
jorros de ambrosias douradas mal digeridas
e, mesmo assim, cantam sua certa desesperança
ainda que o mundo não os ouça
(mas os anjos não se importam...)

It´s gonna feel just like those raindrops do
When they´re falling down, honey, all around you

não é um baque, um retumbe, não mesmo
é somente a música que sobe a cidade
como nuvem noturna e cujas gotas dançam
e se misturam às gotas do vermelho
das pernas da menina e dos anjos
sem vergonhas atropelados pelo destino

anjos, demônios and a little girl blue pela cidade
I don´t know what else, what else
Honey, have you got to do

os demônios urram suas maldições
pelas ruas molhadas de cerveja e sangue
da cidade assustada, mas deve-se dizer:
não são eles a tocar os tambores,
não são eles a tocar o terror e amedrontar
criancinhas incautas
não são os demônios o terror.
tenha pena da menina a chorar
sua líquida dor avermelhada
sob a chuva anavalhada;
tenha medo dos anjos desabridos
desinibidos a concertar paraísos envergonhados,
toquemos com os demônios,
toquemos com os diabos
de uma cidade assustada,
rezemos para que não sejamos nós os demônios,
ou, pior, os anjos,
ou, pior, a chuva

and count your fingers

-
Claudinei Vieira, sem medo de incorrer em erro, é um dos grandes poetas contemporâneos. Desde YURÊI, CABERÊ, seu primeiro livro de poemas, destaca-se pelo olhar aguçado e atento para o homem submerso sob os escombros da metrópole, faz uso do ritmo rápido, entrecortado e a linguagem, contundente e fragmentária. Os poemas mostram a relação desse homem com o espírito tirano da urbe que, por inúmeras vezes, nos põe de joelhos perante situações desumanas e, também por sua recorrência se tornam comuns. - Fabiano Garcez

Eu já sabia do seu jeito: poeta do desconcerto, voyer do desencanto, stalker da indignação. Em pessoa, doce e gentil. Agora, é o poeta quem revela sua melhor face: guia experimentado por escombros da guerra urbana. São Paulo é uma perversão em contos de fada, matéria prima para a poesia de Claudinei Vieira. Por um percurso de esquinas e cafés, calçadas e bares, a poesia é a ansiedade e angústia do conformismo: uma certa desesperança, a sentença irrecorrível de que, se não há morte, não é poesia. - Adriana Anelli

Capa Dura - formato 16x23 cm

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